O anúncio de um livro de autoconhecimento, colado no vidro do metrô, diz: “Você se conhece bem? Conseguiria se descrever?” Pus-me a pensar. Abri o caderno e comecei.
Já quase fui pianista, bailarina, corredora, alpinista. Tive um cavalo, um gato, um grande amor e mononucleose. Já pensei em quase tudo. Falo, falo, não digo nada. Saio cedo, chego tarde, penso grande e sempre escrevo o que comprar. Faço listas, sigo o mapa; nunca usei batom vermelho. Escondo o peito, bebo pouco e nunca saio sem dinheiro. Fumo muito, pago a prazo, leio tudo. Pronto, aqui está quem eu sou.
Confesso que até cheguei a abrir o caderno ao meio, mas logo pensei que estava exagerando, não era para tanto. Acabei decidindo pela última página, mutilada, rabiscada. Aqui me sinto mais em casa. A caneta não é cara, minha letra é esquisita e meu colo não é farto. Mesmo assim escrevi, entre freadas e sacolejos, com pescoço torto, bico de papagaio. Só que ao ver minha vida em letras, uma a uma, faço espanto. Quase sempre não fui nada, só mais uma: que engrossa o coro, que aumenta a lista, que forma a fila. Escrevo apenas o essencial. Normalmente, eu não passo do normal. Raramente fujo do habitual. Quase sempre não sou nada. E chegou minha estação! Vou passar na padaria, comprar presunto e arrumar as gavetas. Quase sempre preciso arrumar as gavetas.
Já quase fui pianista, bailarina, corredora, alpinista. Tive um cavalo, um gato, um grande amor e mononucleose. Já pensei em quase tudo. Falo, falo, não digo nada. Saio cedo, chego tarde, penso grande e sempre escrevo o que comprar. Faço listas, sigo o mapa; nunca usei batom vermelho. Escondo o peito, bebo pouco e nunca saio sem dinheiro. Fumo muito, pago a prazo, leio tudo. Pronto, aqui está quem eu sou.
Confesso que até cheguei a abrir o caderno ao meio, mas logo pensei que estava exagerando, não era para tanto. Acabei decidindo pela última página, mutilada, rabiscada. Aqui me sinto mais em casa. A caneta não é cara, minha letra é esquisita e meu colo não é farto. Mesmo assim escrevi, entre freadas e sacolejos, com pescoço torto, bico de papagaio. Só que ao ver minha vida em letras, uma a uma, faço espanto. Quase sempre não fui nada, só mais uma: que engrossa o coro, que aumenta a lista, que forma a fila. Escrevo apenas o essencial. Normalmente, eu não passo do normal. Raramente fujo do habitual. Quase sempre não sou nada. E chegou minha estação! Vou passar na padaria, comprar presunto e arrumar as gavetas. Quase sempre preciso arrumar as gavetas.
Uma vez li um texto que falava sobre a questão do eu e do outro. O texto era enorme, mas me lembro bem de um trecho que dizia que nós nunca somos um, somos muitos e todos eles são a visão que o outro tem da gente. Para alguns somos pessoas boas, para outros, somos terríveis, mas nunca nós mesmos, o eu só reflete através do outro.
ResponderExcluirPenso muito nisso e várias vezes me pergunto como o outro me vê...