quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O verão do sim ou do não?


Basta começar o verão para ouvirmos comentários a respeito do tempo. Tais comentários surgem principalmente em ambientes onde o clima supera qualquer falta de assunto, elevadores, portarias, salas de espera, ônibus e tantos outros. Por conta do radicalismo observado nestas ocasiões quase que se pode dividir a população do Rio de Janeiro em dois grandes grupos: os que odeiam o calor e os que adoram. Há também um grupo bem menor que prefere adotar uma postura mais flexível ao alegar que para eles tanto faz. A divisão de opiniões é fenômeno esperado, uma vez que se trata de um clima de extremo, termômetros na casa dos quarenta e suor para todo canto – lembro que estou falando do verão carioca.
No entanto, o verão desse ano está causando outro fenômeno antropológico, a migração de um grupo para outro. Explico. Muitos daqueles que adoravam o verão, ou simplesmente o suportavam estão repensando suas posições frente às altíssimas temperaturas de 2010. Com isso o grupo dos que detestam, odeiam, desprezam está aumentando vertiginosamente. Pode ser que essa mudança do perfil carioca seja provisória e dure apenas esse verão. Uma coisa é fato: esse é o verão do sim ou não, gosta ou não gosta e até aqueles que preferiam abster-se estão tomando posições radicais. Afinal, você é do sim ou do não para o verão?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Fila de Banco


Entrei no banco no último minuto do último dia de pagar a última parcela do IPVA. Não havia escapatória, a fila era enorme e a minha única opção. Não bufei, não reclamei, eu só me acomodei e esperei. A fila nunca mais que andava e por distração passei a observar os outros. Um homem falava tão alto ao celular que quase todos voltavam a atenção a ele. Tentei me desligar desse alvo fácil procurando me ater aos imperceptíveis. Um rapaz tentava se livrar dos infindos curtos comentários de uma senhora que o precedia na fila. Uma mulher se sacudia inteira e produzia estalos com a boca em um protesto discreto e indignado. Uma menina, que estava a uns três pacientes clientes depois de mim, tentava esconder os pés enquanto eu olhava sua sandália. Eu observava sem disfarce um a um. Continuei assim até que a tediosa observação foi interrompida por vozes bem colocadas e envelhecidas. As vozes vinham da pequena fila de idosos à minha esquerda. Duas senhoras. Pareciam ser amigas ou pelo menos conhecidas de algum tempo. Porém, uma não sabia muito da vida recente da outra e se perguntavam sobre as próprias, os maridos, os filhos... A mulher que mais contava coisas falou de seus filhos, que já tinha um neto de 6 meses e que seu marido havia melhorado um pouco, mas continuava doente, assim ela contava tudo. A outra mais perguntava do que contava coisas. Enquanto essa mais falante dizia tudo da vida dos filhos e neto, a outra perguntou onde o tal filho que já é pai mora. A faladora respondeu sem maiores emoções: neste prédio aqui da frente. Imediatamente um brilho surgiu no olhar da outra senhora que, até então, perguntava mais para continuar a conversa do que para saber realmente. Um sorriso se abriu e ela revelou com uma voz cantada e jovem: Eu sou apaixonada por esse prédio. A animação tomou conta dela e disparou a perguntar do prédio, sem pouco se importar com o filho ou o neto da outra. O rosto mudara certamente e qualquer um poderia perceber que não era mais a mesma senhora que falava, era uma parte dela que parecia não sair de casa há muito tempo, seus sonhos.
Eu imediatamente olhei para a porta do banco tentando alcançar com o olhar o tal prédio. Não conseguia me lembrar de nenhum prédio que pudesse ser o sonho de alguém ali naquela rua movimentada, confusa e sem grandes pretensões arquitetônicas. Enfim, enxerguei uma nesga de um prédio de uma cor sem nome e de varandas medíocres. Seria essa a paixão daquela senhora? Seria esse o motivo daquele brilho? Meu momento de ser atendida chegou e logo saí ansiosa para ver qual era realmente o tal prédio sonho. Quando saio do banco percebo que havia somente um único prédio residencial ali. Bom, só pode ser ele e de fato as descrições batiam, mas eu não conseguia entender. Um prédio tão sem jeito e sem charme que eu jamais, nestes anos todos de bairro, reparei na sua presença. Passo ali ao menos uma vez por semana e ele nunca se insinuou para mim, nem se quer me incomodou. Passei tantas vezes por aqui e o ignorei em cada uma delas, sem saber que se tratava de um sonho. Um sonho capaz de iluminar uma fila de banco. De cabeça baixa fui caminhando até em casa e pensando: Por quantos sonhos não passo diariamente e sem perceber os ignoro? Ou pior, quantos sonhos não menosprezo? Ou ainda, quantos não ignoram os meus sonhos?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Tentativa de concentração

    
     Um calor de matar. Um vizinho aprendendo flauta. Uma obra interminável no andar de cima. Meia dúzia de crianças de férias. Como é difícil viver em sociedade, quanto mais escrever e pensar. Não é à toa que os antigos escritores tinham hábitos noturnos ou procuravam lugares isolados para morar. Por isso, também, morriam precocemente de tuberculose. Hoje, todos têm uma obrigação moral com a sociedade de ser saudável, de ter uma vida regrada e duradoura, de conviver bem com o mundo. Vivemos também mais próximos um dos outros, prédios com áreas sociais agitadas, internet, telefone, celular, interfone, televisão, há cada vez mais formas de perturbação da paz. Os escritores, pesquisadores, e os metidos a tais – o meu caso – têm que viver assim mesmo, respeitando os horários, sendo feliz e saudável. Ninguém mais tem o direito de viver na madrugada e a tuberculose não mata mais. Os locais silenciosos são vendidos a peso de ouro, onde não podemos morar, e embora tenhamos a nosso alcance uma série de dispositivos legais que nos garantam a tranqüilidade, em verdade, quase nenhum deles de fato funciona.
     Há, aqui, bem perto da minha casa, uma academia que insiste em dar aulas de ginástica em alturas de som dignas de show da Madonna. Bom, nada contra as pessoas gostarem de suar e pular neste calor ao som de uma música repetitiva, alta e uma senhora gritando ao microfone, mas poderiam fazer isso sem me incomodar. Já liguei para lá e pedi educadamente que baixassem o som e, em outras ocasiões, nem tão educadamente assim. Já perdi as estribeiras e, também, já imaginei inúmeras formas, das mais cruéis, de exterminá-los. No entanto, de nada adiantou. Passei então a tomar providências mais sensatas. Disque-denúncia: atenderam-me muito bem e até me deram um número para acompanhar a minha denúncia, liguei, liguei, liguei, nada aconteceu e nem tenho mais esse tal número. Conselho Regional de Educação Física e Ouvidoria da Prefeitura: fiz a reclamação diversas vezes, mesmo porque a estrutura da fubeca academia não atende regra alguma de Conselho, nem da Prefeitura, só que de nada adiantou. Enfim, aqui estou eu agora, entre o intervalo da obra do vizinho, que acaba às 17 horas e a aula da academia que começa às 18 horas. E, assim vou produzindo alguma coisa, escrevendo uma dissertação e alguns resmungos nesta página.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Conto, crônica ou o quê?


Bom, reparem que a classificação das postagens agora está por marcadores e não mais por datas. Achei que assim ficaria bem melhor, porém quando estava classificando-as me deparei com uma dúvida, ou melhor, várias dúvidas. Qual a diferença entre crônica e conto? E ainda, como classificar outros textos que para mim não são nem uma coisa nem outra?

Então, como eu não pretendo classificá-los corretamente mesmo, apenas dar uma coerência ao blog, não me atreverei a usar normas de estudos de literatura. Sendo assim, prestem atenção de como serão as minhas regras aqui, mas somente aqui:

- contos são aqueles em que não tenho compromisso com a realidade, não relatam nada da minha vida exatamente

- crônicas são aquelas em que estou expondo a minha opinião em um formato normalmente mais jornalístico, são bem pessoais

- prosas poéticas são aqueles textos que não sei como classificar e têm certo compromisso de beleza, de sonoridade

- e qualquer coisa é qualquer coisa mesmo!

Ufa! Não me acusem, por favor, de assassinar a literatura, só quero tornar as coisas mais fáceis para mim e para você.

Beijos da Mari

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Dádiva


Natal, época de confraternizar, de demonstrar seu amor, de dar e ganhar presentes. Época de pensar nos presentes. Passada a ocasião, penso no que representa o hábito de presentear.


O que são os presentes?

Os presentes são formas de demonstrar seus sentimentos, suas emoções. Eles trazem em um objeto concreto o ato do carinho, como um meio de elaborar os sentimentos, de concretizar as emoções. Os presentes, portanto, são um simbolismo muito caro. Digo caro não no sentido financeiro, mas porque representam uma aliança, um compromisso de sustentar a relação. Ao presentear alguém você está dizendo àquela pessoa o quanto ela é importante ou reconhecendo o valor da ocasião. Os presentes nada mais são que a encarnação do subjetivo. É claro, as demonstrações de carinho e amor, como abraços e palavras, ao longo de grandes períodos valem bem mais que qualquer presente, entretanto não são palpáveis, não são passíveis de serem apreciados, mostrados a todos, guardados, e por isso normalmente estão acompanhadas do costume de presentear. Não é também uma questão de capitalizar sentimentos, mas sim de mensurar, o que justifica a existência das lembrancinhas. Pouco importa o presente, o que move a relação é o presentear.


E quando os presentes não vêm?

Quando somos presenteados, dizemos que não seria necessário e agradecemos. E, quando os presentes não vêm, dizemos que não há problema algum. Já aquele que não leva o presente fica sempre constrangido, age como um faltoso, ou, no caso de não se importar, fica mal visto pelos demais.
Não dar presente à pessoa amada é quase que não amar, visto que o presente representa a troca da emoção, e se o amor é a troca de emoções, não presentear é não elaborar o sentimento, é quebrar a regra, é negar o laço.
O presente por ser essa troca não se finaliza no presentear. Ninguém simplesmente entende o presente como algo acabado ali na ação. Em retribuição, o presenteado o presenteará em ocasião de igual importância ou oferecerá uma recepção, retribuindo em hospitalidade e diversão. Sendo assim, como sempre há um retorno, um caminho de volta, o presente não é desprovido de interesses. Não são interesses necessariamente egoístas, nem materiais, são interesses no crédito, no fortalecimento ou criação do laço afetivo.


E a obrigação de presentear?

O hábito de presentear nada tem a ver com as épocas especiais, a não ser pelo fato de ser um hábito. Em ocasiões como o Natal, o presente torna-se uma obrigação. Mesmo que não haja legislação específica para tal, as regras sociais são explícitas - dar e receber presentes já faz parte do protocolo da festa.
Quando eu penso que o presentear é um ato de demonstração de amor, de fortalecimento de laços, de concretizar emoções, não entendo como pode ter se tornado uma obrigação. Será que datar as ocasiões adequadas para presentear a quem se ama é como dizer quando amar?






sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A Incômoda


Aspecto, cadavérico; bolsa, velha; meias grossas, cor de rosa; tênis, azul. O último se esforçava, em vão, para combinar com o casaco de mesma cor, que vinha por cima da blusa lilás. A bermuda amarelada, desajeitada, ordinária e surrada não conseguia disfarçar o corpo franzino. No rosto cavado – que não me lembro de antes, nesses três meses de aula, já o ter focalizado - moravam três antipáticos fios, que esboçavam um buço, e espinhas, muitas e secas por toda parte. O cabelo era trançado, mas sem a pretensão de ser um penteado. Um cabelo de tanto faz. Sentava em uma carteira na minha diagonal esquerda. Uma mulher na faixa dos 20, sem vaidade alguma, logo, deve se ocupar somente daquilo que realmente interessa. Não é como eu, fútil. Assim pensei. Ela me fez sentir que somos diferentes. A aula prosseguia; eu anotava tudo; e ela, bom, não me importava mais.

Quando tudo parecia tranqüilo, eu aqui e ela lá, como água e vinho, Brasil e Japão, Flamengo e Vasco, uma dúvida surge. Eu, boa aluna, levanto o braço, o professor me atende: qual sua dúvida? Todos se viram, inclusive ela, a mulher diferente de mim, e, sem me poupar de nada, ela me mostra seu lado esquerdo. Estarreço. Tem uma flor no cabelo dela! Uma flor bonita, que poderia estar no meu cabelo. Observo melhor e... É igual a minha! Tudo vem abaixo. Dá-me um nó na garganta e olho, e olho, e olho. Nada mais faz sentido. A minha respiração acelera e sinto que me aquece. Devo ter enrubescido, arregalado os olhos, pulsado, tremido. Estou constrangida, de verdade. Então, eu, sem mais coragem de manter o meu famoso olhar altivo, inclino a cabeça para baixo e com voz embaraçada digo: desculpe-me, não foi nada, pode prosseguir professor. Todos se voltam para frente e a aula prossegue normalmente. Menos para mim. Olhava à minha volta e não havia mais nada de normal. Em uma fração de segundo, mudou o cenário. O professor, os outros alunos, eu, o barulho do ventilador, tudo, tudo havia mudado. Eu não encontrava mais posição na cadeira e o que o professor dizia, já não tinha sentido. Não conseguia mais fazer idéia de meu porquê de estar ali, quem eram aquelas pessoas, qual era a estação do ano, se era manhã ou tarde, ou se havia almoçado. Aquela flor estava ali, como uma rosa na secura do sertão. Tento me restabelecer, arrasto a mão até a cabeça e, discretamente, retiro a minha flor e guardo-a na bolsa. Olho para frente e procuro esquecer aquilo, mas não consigo.

Uma hora se passa e ela está lá. Quieta, mas desviando minha atenção, tirando meu sossego. Irresponsável, provocadora. Ainda não consegui me concentrar na aula. De repente, meu desconcerto é interrompido por um barulhinho, que não me é estranho. Aquele sonzinho me despertou. Único, curto, preciso e baixinho, me lembrava alguma coisa familiar. Sigo meu instinto auditivo e novamente estou olhando para a mulher. Ela está com uma caixinha na mão e o barulhinho veio dali. A caixinha também me é familiar, mas os seus dedos compridos não me permitem ver exatamente do que se trata. Continuo observando seus movimentos serenos. Ela puxa algo de dentro da caixinha e estica. Espicho a cabeça mais um pouco e vejo... É um fio dental! Pronto, respiro aliviada. A sensação, o incômodo, tudo passa e eu volto a prestar atenção à aula. Enquanto a aula acontece, ela limpa os dentes. Agora entendo, ela é diferente. A flor ali não é nada.

sábado, 10 de outubro de 2009

Cortesia da casa


O Domingo amanheceu chuvoso; depois de um preguiçoso café da manhã, ela saiu para fazer compras. A idéia era trazer um frango assado para acompanhar a macarronada. Pegou o guarda-chuva de florzinhas, desceu a rua, pulou algumas poças, cumprimentou um aqui, outro ali. Parou no mercado, aproveitou pra comprar o lanche da tarde e seguiu para a padaria, que aromatizava o quarteirão com o preparo da iguaria. O cheiro a fazia imaginar cada momento daquele dia previsível. Já pensava na mesa, no sabor, na briga pelas coxas, de sempre, nas risadas, também de sempre, na felicidade da família, no salpicão do dia seguinte. Aquele domingo confortável, tão certo de si, não poderia prever o que estava por vir.
Quando dobrou a esquina ela avistou um menino parado logo no primeiro degrau do seu destino. Normal. Eles estão por toda parte. Preparou-se para olhar à frente e dizer que não tinha trocados ou caridosamente doar alguns centavos e terminar sua missão. Sentado ao pé da máquina que rodava as penosas a oito reais a unidade, ele apenas se aquecia, brincando com uma garrafa amassada enquanto se abrigava da chuva. Não pediu esmola, não pediu comida, não se alterou. Os bracinhos magrelos dedicados à garrafa, não se estendiam para pedir nada, mas agrediam mais que soco pugilista. Ela, mesmo assim, entrou na padaria pra comprar o astro do almoço, e aquele pequeno provocador não pedia nada e ainda se divertia com o brinquedo como se estivesse em seu quarto esperando a mãe chamá-lo para o almoço. Então, ela se alinhou à fila do frango, não conseguia parar de olhar o moleque. Pediu o frango, o menino nem aí, continuava brincando. A mulher procurava um sofrimento qualquer naquele rostinho, mas não encontrava, sujo e franzino, chegava a sorrir vez ou outra. Até que de tanto que ela olhou, enfim ele se virou. O olhar tranqüilo, feliz pelo quentinho do forno, cruzou com o dela.
De repente, sem sequer pedir desculpas ao rapaz que a atendia, desistiu do prato de domingo e acelerou o passo até em casa. Abriu a porta e ainda no capacho arrastando os pés com força para trás e respirando ofegante dizia: não havia frango, acabou, não havia, o frango acabou, não havia um sequer. A televisão estava ligada e ninguém deu muita atenção. Lamentaram a retruque sem mal desviarem os olhos do aparelho, acharam normal, afinal nesses dias o movimento é grande. Ninguém quer cozinhar em um domingo cinzento. O almoço transcorreu normalmente. Ou quase. A única coisa que a família estranhou foi o silêncio da mulher durante o almoço. Diante do arroto do caçula, do prato vazio da mais velha. Nada a abalava. De vez em quando, entre longos períodos calada, repetia em voz alta: com o frango ficaria melhor, só que o frango não havia, acabou. E concluía em pensamento: até havia, mas não havia nem um que, pelos mesmos oito reais, deixasse de dar como brinde tanto a farofa, de destino certo ao lixo, como o olhar daquele menino. Olhar que fez pesar insuportavelmente as sacolas de biscoitos e brioches na sua mão. Olhar que, sem saber, acabou com os planos do almoço de domingo.