quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Fila de Banco


Entrei no banco no último minuto do último dia de pagar a última parcela do IPVA. Não havia escapatória, a fila era enorme e a minha única opção. Não bufei, não reclamei, eu só me acomodei e esperei. A fila nunca mais que andava e por distração passei a observar os outros. Um homem falava tão alto ao celular que quase todos voltavam a atenção a ele. Tentei me desligar desse alvo fácil procurando me ater aos imperceptíveis. Um rapaz tentava se livrar dos infindos curtos comentários de uma senhora que o precedia na fila. Uma mulher se sacudia inteira e produzia estalos com a boca em um protesto discreto e indignado. Uma menina, que estava a uns três pacientes clientes depois de mim, tentava esconder os pés enquanto eu olhava sua sandália. Eu observava sem disfarce um a um. Continuei assim até que a tediosa observação foi interrompida por vozes bem colocadas e envelhecidas. As vozes vinham da pequena fila de idosos à minha esquerda. Duas senhoras. Pareciam ser amigas ou pelo menos conhecidas de algum tempo. Porém, uma não sabia muito da vida recente da outra e se perguntavam sobre as próprias, os maridos, os filhos... A mulher que mais contava coisas falou de seus filhos, que já tinha um neto de 6 meses e que seu marido havia melhorado um pouco, mas continuava doente, assim ela contava tudo. A outra mais perguntava do que contava coisas. Enquanto essa mais falante dizia tudo da vida dos filhos e neto, a outra perguntou onde o tal filho que já é pai mora. A faladora respondeu sem maiores emoções: neste prédio aqui da frente. Imediatamente um brilho surgiu no olhar da outra senhora que, até então, perguntava mais para continuar a conversa do que para saber realmente. Um sorriso se abriu e ela revelou com uma voz cantada e jovem: Eu sou apaixonada por esse prédio. A animação tomou conta dela e disparou a perguntar do prédio, sem pouco se importar com o filho ou o neto da outra. O rosto mudara certamente e qualquer um poderia perceber que não era mais a mesma senhora que falava, era uma parte dela que parecia não sair de casa há muito tempo, seus sonhos.
Eu imediatamente olhei para a porta do banco tentando alcançar com o olhar o tal prédio. Não conseguia me lembrar de nenhum prédio que pudesse ser o sonho de alguém ali naquela rua movimentada, confusa e sem grandes pretensões arquitetônicas. Enfim, enxerguei uma nesga de um prédio de uma cor sem nome e de varandas medíocres. Seria essa a paixão daquela senhora? Seria esse o motivo daquele brilho? Meu momento de ser atendida chegou e logo saí ansiosa para ver qual era realmente o tal prédio sonho. Quando saio do banco percebo que havia somente um único prédio residencial ali. Bom, só pode ser ele e de fato as descrições batiam, mas eu não conseguia entender. Um prédio tão sem jeito e sem charme que eu jamais, nestes anos todos de bairro, reparei na sua presença. Passo ali ao menos uma vez por semana e ele nunca se insinuou para mim, nem se quer me incomodou. Passei tantas vezes por aqui e o ignorei em cada uma delas, sem saber que se tratava de um sonho. Um sonho capaz de iluminar uma fila de banco. De cabeça baixa fui caminhando até em casa e pensando: Por quantos sonhos não passo diariamente e sem perceber os ignoro? Ou pior, quantos sonhos não menosprezo? Ou ainda, quantos não ignoram os meus sonhos?

2 comentários:

  1. Muito legal! Gostei da motivação da crônica. Ontem também estive na fila de banco, não no último minuto, mas na última hora. Essa fila daria uma boa crônica a respeito do carnaval com base no que as pessoas conversavam: viagens, motoristas de taxi, turistas,. Taí, você me deu uma inspiração. Beijos, Mari.

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  2. Engraçado como as vezes coisas que pra gente são tão pequenas podem mudar de significado. Gostei

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