quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Tentativa de concentração

    
     Um calor de matar. Um vizinho aprendendo flauta. Uma obra interminável no andar de cima. Meia dúzia de crianças de férias. Como é difícil viver em sociedade, quanto mais escrever e pensar. Não é à toa que os antigos escritores tinham hábitos noturnos ou procuravam lugares isolados para morar. Por isso, também, morriam precocemente de tuberculose. Hoje, todos têm uma obrigação moral com a sociedade de ser saudável, de ter uma vida regrada e duradoura, de conviver bem com o mundo. Vivemos também mais próximos um dos outros, prédios com áreas sociais agitadas, internet, telefone, celular, interfone, televisão, há cada vez mais formas de perturbação da paz. Os escritores, pesquisadores, e os metidos a tais – o meu caso – têm que viver assim mesmo, respeitando os horários, sendo feliz e saudável. Ninguém mais tem o direito de viver na madrugada e a tuberculose não mata mais. Os locais silenciosos são vendidos a peso de ouro, onde não podemos morar, e embora tenhamos a nosso alcance uma série de dispositivos legais que nos garantam a tranqüilidade, em verdade, quase nenhum deles de fato funciona.
     Há, aqui, bem perto da minha casa, uma academia que insiste em dar aulas de ginástica em alturas de som dignas de show da Madonna. Bom, nada contra as pessoas gostarem de suar e pular neste calor ao som de uma música repetitiva, alta e uma senhora gritando ao microfone, mas poderiam fazer isso sem me incomodar. Já liguei para lá e pedi educadamente que baixassem o som e, em outras ocasiões, nem tão educadamente assim. Já perdi as estribeiras e, também, já imaginei inúmeras formas, das mais cruéis, de exterminá-los. No entanto, de nada adiantou. Passei então a tomar providências mais sensatas. Disque-denúncia: atenderam-me muito bem e até me deram um número para acompanhar a minha denúncia, liguei, liguei, liguei, nada aconteceu e nem tenho mais esse tal número. Conselho Regional de Educação Física e Ouvidoria da Prefeitura: fiz a reclamação diversas vezes, mesmo porque a estrutura da fubeca academia não atende regra alguma de Conselho, nem da Prefeitura, só que de nada adiantou. Enfim, aqui estou eu agora, entre o intervalo da obra do vizinho, que acaba às 17 horas e a aula da academia que começa às 18 horas. E, assim vou produzindo alguma coisa, escrevendo uma dissertação e alguns resmungos nesta página.

3 comentários:

  1. coisas para fazer com os infelizes da academia:
    colocar uma música mais alta que a deles; comprar um megafone e começar a gritar feito louca nas horas de aula, gravar sons irritantes e colocar para tocar nas horas das aulas, gravar um culto da igreja universal, enfim seja criativa e combata o mal com um mal maior ainda....

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  2. Concordo com você, Mariana. Escrever literatura hoje em dia fica difícil porque não há mais tranquilidade. Com o carnaval então... Mas, apesar do barulho, sua crônica ficou muito legal.
    Um forte abraço, Joelma

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  3. Joelma e Cecy,
    Que bom que me entendem.

    E se eu falar para vocês que a obra continua? Pois é, talvez estejam construindo um outro prédio em cima do meu, vou olhar pra cima hoje.

    Ah, Joelma, seja bem-vinda ao cronificando!!!

    Bjs da Mari

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